A CHAVE DA CASA
NALDOVELHO O relógio, os ponteiros, o tic-tac nervoso, a garrafa de conhaque pra baixo da metade. A campainha da porta adormecida, em silêncio, a janela da sala permanece entreaberta. O cinzeiro lotado, o cigarro entre os dedos, respiração afrontada, o poema, o segredo. O ambiente em penumbra, o mês é setembro, madrugada chuvosa, faz tempo, nem lembro, da última vez que ouvi o seu nome. O livro de poemas, finalmente terminei, poucos foram vendidos, a maioria eu guardei. Na estante da sala uma bagunça danada, livros, corujas, cristais e cds. Tem tempo não ando pelas ruas da cidade, enlouquecem-me o barulho e a fumaça dos carros. O açúcar anda alto, o nome certo é glicose, o telefone às vezes toca, normalmente é engano. No canto da sala um quadro inacabado, monocromático esforço, um árido esboço. O vaso de plantas, quando lembro, eu rego, samambaia valente resiste a tudo. O violão em silêncio, desafinadas as cordas, não componho mais toadas, estou mais pro bolero, as teclas do piano traduzem melhor os enganos. Notícias recentes dão conta que o sonho ficou a deriva num navio sem cais. Ainda guardo em meu quarto a aliança, o perfume, sua fotografia e as cartas de amor. A chave da casa, escondida, você sabe... Quando quiser, é só abrir a porta e entrar. NALDOVELHO
Enviado por NALDOVELHO em 19/05/2009
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