AVENIDA NOSSA SENHORA DE COPACABANA
NALDOVELHO Abertas as cortinas, o cenário se revela: sala e quarto, conjugados, Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 12º andar. Mobília discreta, janela entreaberta deixa entrar luz da lua, madrugada deserta povoada de insônia. Uma pequena mesa num canto e sobre ela o desencanto de um cinzeiro lotado. Uma garrafa de conhaque, já pra baixo da metade, luz focada de um abajur a iluminar o poeta. Papeis, espalhados pelo chão, nenhuma idéia, nenhuma linha, um verso sequer, que demonstre que a danada da inspiração tenha fixado moradia dentro de um peito afrontado pela inquietude dos ventos que assolam sem nenhum constrangimento este inverno que nunca chega ao fim. Já são quase quatro horas e uma mistura suave de dedilhar de piano, contrabaixo acústico e píston em surdina, constrói um plano de fundo harmoniosamente ardido e completamente envolvido por nostalgia e abandono. Acho até que por isto, o poeta insiste. Busca, rebusca, remexe em seus guardados, desencrava sonhos dourados, tipo não realizados, que ficaram por tanto tempo latentes... Quem sabe não estaria aí a fonte de novos versos? Retorna aos seus vinte e poucos anos, tempo de paixões desconexas, onde a razão, coitada, nunca se fazia presente e uma vontade danada de construir um ninho onde coubesse todo o amor que se tinha por alguém que, hoje, se fez distante, do outro lado do mundo, um oceano e meio além do que se possa imaginar. Caminha mais um pouco, já aos vinte e cinco e nova paixão se apressa a dizer até breve, por diferentes caminhos, a perda de um carinho e a dor do não concretizar. Lembra que ali morreu mais um sonho de douradas promessas, desconsideradas na pressa, e tingido por sombrios e estranhos matizes... Nem pesadelo restou. Mais uma dose de conhaque, acabou o cigarro! E nada dos versos. Nenhuma inspiração que se preste à tristeza e ao abandono. As musas envelheceram, o herói de nossa história também e o romance deu lugar ao vazio dos dias e a angustiante espera do momento de ir embora. Amanhece, já não existe mais pressa, ainda que a lua teime em não ir embora. Manhã fria de domingo, Avenida Nossa Senhora de Copacabana, um café no bar da esquina, caminhar até a praia, ver as ondas do mar, sentar nas areias da praia, fumar um cigarro, depois voltar pro sala e quarto, conjugados, e dormir. Dormir, e quem sabe nunca mais acordar? NALDOVELHO
Enviado por NALDOVELHO em 24/05/2009
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