OBSCENIDADES
NALDOVELHO Obscenas são as lágrimas que se contêm reprimidas, num compartimento espremidas, e que se recusam ao pranto por constrangimento ou vergonha e que a cada instante se entranham, cristalizados os desencantos que a vida não conseguiu dissolver. Obsceno é o sentimento abortado pelo medo de novas feridas, posto que as que ainda persistem, sangram não cicatrizadas e volta e meia insistem em doer. Obsceno é manter as janelas fechadas e impedir que a madrugada possa ao trazer novos dias, renovar no peito a crença num novo amanhecer. Obscenas são as chaves que não abrem mais portas, e ainda dizer, pouco importa! Pois não se tem para onde ir. Obsceno e recusar-se ao poema para não se expor o dilema que a vida ao criar obstáculos, ofertados em forma de escolhas, trouxe para o nosso viver. É não perceber que nenhuma escolha, não passa também de uma escolha, a de não se permitir o porvir. Obsceno e negar o amor que ainda existe e transformá-lo em mágoa latente, triturada assim entre os dentes, até que brote dela o veneno que certamente irá nos destruir. Que venham então as lágrimas e que sejam repletas, copiosas e escorregadias, para que possamos dissolver desencantos, sendo o bálsamo preciso a cicatrizar na alma as feridas e permitir que o sentimento brote sem constrangimentos. Que sejamos então povoados de versos, muita poesia decerto, de preferência com janelas abertas e chaves que abram muitas portas, possibilidades e infinitas escolhas, ainda que sem garantias, pois ganhar ou perder são fases de um mesmo jogo, necessário para quem se dispõe a crescer. NALDOVELHO
Enviado por NALDOVELHO em 26/05/2009
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