CRIME PREMEDITADO
NALDOVELHO Crime premeditado da virtude em busca do pecado, da inocência a desafiar a peçonha ao masturbar-se solitário na cama por fixação na vizinha do lado. Pobre de mim! E assim foi o primeiro poema. Crime premeditado do menino que dobrou a esquina, andou por ruas transversas, becos, ruelas, travessas, misturou-se aos vagabundos nas praças, amou prostitutas, tão gastas, e ainda assim escreveu mais poemas. Crime premeditado do jovem que acreditou em utopias, escreveu canções de protesto, reencontrou a vizinha peçonha, mãe de três filhos e vergonhas. por ter feito escolhas erradas. Às vezes a vida é assim! Crime premeditado do homem que se feriu em espinhos, que destruiu canteiros de rosas, que sofreu por amor e ainda ama, mas que por deixar a poesia de lado, trilhou caminhos profanos, quase enlouqueceu. Crime premeditado de quem se afogou em aguardente, escalou cordilheiras estranhas, rolou ribanceira abaixo, chorou lágrimas de um tolo, redescobriu em si mesmo o poema, e enlouqueceu. Crime premeditado de quem assumiu a condição de poeta e que sendo por natureza um tolo, fez da palavra um consolo, pois a sentença final: é culpado! Condenado a viver na inquietude, e a morrer de mal de amor. A FACE CONTRAÍDA DE DEUS. NALDOVELHO Na estante, adormecido, o livro sagrado. Em cima da mesa um outro aberto: a Divina Comédia, o Inferno de Dante! Palavras assustadoras de sombras e aflições, demônios que ameaçam criar vida, materializar de vez o mal que existe em nós. Um terço abandonado na gaveta, a oração, faz tempo, esquecida... Anjos tristonhos observam o cenário: estilhaços, escombros, vidas perdidas, horas tão lentas, doloridas, grudentas e um estranho deus que se alimenta de feridas. Na casa semidestruída um cheiro ardido: sangue, pólvora, poeira e medo! Lá fora cães furiosos a espera: há sempre alguém pronto para ser devorado. Lágrimas ácidas, corrosivas... O fanatismo de alguns, a dor de muitos. Na estante o Novo Testamento. Na parede, o Cristo crucificado, faz tempo... E a face contraída de Deus, a assombrar meus pensamentos, ordena: tirem Meu Filho da cruz! VERSOS ETÍLICOS NALDOVELHO Palavras trôpegas, embriagadas, espalhadas pelo chão do quarto, vomitam no tapete, mijam no pé da cama, gritam significados e estragos, insistem em construir poemas, versos etílicos, desconexos, mistos de dor, loucura e valentia, cismam em revelar segredos, riem debochadamente dos meus medos, desobedecem regras e rimas, desafiam o tempo do verbo, e choram a falta da mulher amada, e a nostalgia colhida nas madrugadas, na solidão que sobrevive às horas, alcoólatras confessos que somos viciados em falar do abandono. NEM SEMPRE... NALDOVELHO Nem sempre poesia, muitas vezes heresia, enredo que não pode ser desfeito, tramas, teias, dramas, grito espremido no peito, histórias que o tempo fez questão de preservar. Nem sempre são rosas, muitas vezes espinhos, outras vezes são cortes, fraturas, entorses, sangue coagulado, cicatrizes que ainda doem, feridas que o tempo não foi capaz de curar. Nem sempre fragrâncias, muitas vezes odores, coisas cheirando a mofo, amareladas, apodrecidas, resto de comida esquecida no forno, coisas que o tempo não deu conta de dissipar. Nem sempre vitórias, muitas vezes derrotas, descaminhos, estranhos, sem volta, andar desequilibrado pela beira do abismo, escolhas que o tempo deixou você tomar. Nem sempre o poeta que existe em mim agüenta, muitas vezes ele se ausenta, viaja nas funduras, macera dores, nostalgias, amarguras e depois de algum tempo voltar a sonhar. NALDOVELHO
Enviado por NALDOVELHO em 14/06/2009
Alterado em 14/06/2009 Copyright © 2009. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |