VERSOS BASTARDOS
NALDOVELHO De uma relação promíscua entre o sonho e o verbo, nasceu de forma transversa um poema de versos indigentes que rebelados e urgentes por desencontradas rimas e métricas incoerentes, foi denominado bastardo por críticos reticentes. E por estar impedido ao nome, ao ser considerado espúrio, foi chamado de prematuro e de prosa em versos incandescentes. Que assim rejeitado pôs-se a falar na vida, de tudo aquilo o que se sente, com a linguagem da minha gente e de um jeito franco e desavergonhado, sem regras e sem limites, principalmente destrambelhado e visceralmente ousado. Ainda que mestiço, mulato, caboclo, cafuzo, e algumas vezes, um tanto ou quanto confuso, esta é a minha vertente e tem a cara de um Brasil bem matreiro que mistura piano de calda e pandeiro, zabumba e violino em terreiro, se bobear, caviar com cachaça e muita mulata suada na praça só pra dar água na boca e um desconforto danado toda a vez que ela se põe a sambar. Cravo, pimenta e canela, só pra nos infernizar. A minha vertente inventa caminhos profanos por pura irreverência ou pirraça, desafia zombeteiro e esculacha aqueles que tentam me aprisionar. VERSOS PERPLEXOS NALDOVELHO Palavras espremidas, descontentes, vibram nervosas, reticentes... A mesma mão que semeia o trigo, contamina os rios e seus afluentes. A mesma mão que acarinha o filho, extermina as sementes da terra que chora. A mesma mão que escreve poemas, escava a trincheira que o protege agora. Palavras tortas, expostas, contundentes. entoam cânticos de guerra evidente. A mesma mão que cura as feridas empunha a espada que sangra a vida. Versos perplexos, reflexivos, confessos, desentranham das vísceras o poema que implora. A mesma mão que abre o caminho, deixa neles rastros de sangue e desatino. O que foi feito da cantiga de amor que outrora trazia tanto encantamento na voz de um trovador? O que foi feito do sorriso criança que alimentava os sonhos do pensador? O que foi feito do poeta e de suas juras de amor? Será que se calou a poesia pelo jugo do imperador? Ou será que é sina do homem crescer através da dor? MENSAGEIRO DA AGONIA NALDOVELHO Coisa mais estranha, lua avermelhada, tiros de escopeta sacodem a madrugada, vidraça estilhaçada, Linha Amarela, cidade sitiada, tranco as janelas. Coisa mais sem graça, ruas tão desertas. Já nem sei dar conta, janeiro ou fevereiro, E eu nem sei seu nome, mas sei seu codinome, Se encarar o bicho pega, se medrar o bicho come. Coisa esquisita este Rio de Janeiro, meu santo padroeiro, tá refém, tá prisioneiro. Também tem Linha vermelha na cidade dos aflitos, Motorista encurralado lá meio do conflito, facções de sangue quente em comandos divergentes, tem fuzil AR-15, tão armados até os dentes. De manhã leio as notícias na cidade sitiada, tiro dado a queima roupa, assassinaram a madrugada. Quem matou é de menor, não conhece poesia; bicho solto, bicho louco, mensageiro da agonia. Coisa esquisita este Rio de Janeiro, meu santo padroeiro, tá refém, tá prisioneiro. DO VENTRE DA SERPENTE NALDOVELHO Um anjo esquisito pousou do meu lado, em versos obscenos revelou segredos, costurou enredos mal alinhavados, abriu as janelas, riu de debochado, acendeu incensos, fumou um cigarro, praguejou de um jeito bem desaforado, arrebentou rosários, desmanchou mandalas, bebeu meu absinto, ficou embriagado, abriu suas asas, chorou como criança, pediu café amargo, fumou outro cigarro e nas teclas do piano cantou seus desenganos. E quando um outro anjo veio em seu socorro, gritou feito demente, saltou pela janela, caiu sobre a roseira, manchou rosas de sangue, correu em disparada, tropeçou no meio fio, sujou asas de lama, não olhou pra lado algum, atravessou a rua, morreu atropelado, nasceu pra vida agora, deitado na sarjeta, e assim pobre coitado, não tem nada de seu. E quando amanheceu andou pela cidade, tomou muita aguardente, fumou um baseado, cheirou mil carreirinhas, roubou a sacristia, trocou tiros com a polícia, chorou mais uma vez. E quando um outro anjo veio em seu socorro, sangrou sangue dos tolos, manchou confessionário, e sem extrema unção morreu mais uma vez. Nasceu do outro lado, do ventre da serpente, não sabe o seu nome, nem sabe que morreu. NALDOVELHO
Enviado por NALDOVELHO em 14/06/2009
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